A 3ª Turma do STJ, no julgamento do REsp 1.947.757-RJ, em 08/03/2022, fixou a tese no sentido de que a operadora de plano de saúde tem o dever de cobrir parto de urgência, por complicações no processo gestacional, ainda que o plano tenha sido contratado na segmentação hospitalar sem obstetrícia (Inf. 728).
O propósito recursal consistiu em decidir sobre: i) o dever de a operadora de plano de saúde cobrir parto de urgência, quando o plano de saúde é contratado na segmentação hospitalar sem obstetrícia; ii) a responsabilidade do hospital pela negativa de atendimento médico de urgência; e iii) a configuração de dano moral.
No caso em análise, uma mulher beneficiária de plano de saúde sem cobertura obstetrícia, após ter dado entrada em um hospital particular em trabalho de parto, foi informada que o nascituro se encontrava em sofrimento fetal e que havia necessidade de internação em regime de urgência, mas que o seu plano não cobriria o parto. Após a recusa do hospital em realizar o parto, a mulher se dirigiu a um hospital público, onde foi verificada a urgência do caso e o sofrimento fetal, chegando o recém-nascido a ser reanimado após o parto, ante a diminuição da frequência cardíaca.
Diante de tais fatos, a beneficiária do plano de saúde ajuizou ação de obrigação de responsabilidade civil contra a operadora do plano e o hospital que recusaram o atendimento. A operadora do plano de saúde, por um lado, defendeu que não poderia ser condenada à cobertura do parto, porque o contrato firmado com a beneficiária era de segmentação hospitalar sem cobertura obstétrica; de outro lado, o hospital sustentou que não poderia ser responsabilizado porque não recusou o atendimento à beneficiária, tendo sido o dano causado exclusivamente pela operadora do plano de saúde, que negou a cobertura do parto.
A Lei 9.656/1998 autoriza a contratação de planos de saúde nas segmentações ambulatorial, hospitalar (com ou sem obstetrícia) e odontológica, estabelecendo as exigências mínimas para cada cobertura assistencial disponibilizada aos beneficiários.
Em relação ao plano de saúde hospitalar sem obstetrícia, a cobertura mínima está vinculada a prestação de serviços em regime de internação hospitalar, sem limitação de prazo, e excluídos os procedimentos obstétricos (art. 12, II).
O art. 35-C da Lei nº 9.656/98, que dispõe sobre as hipóteses de urgência e emergência de cobertura obrigatória pelas operadoras de planos de saúde, afirma que os planos de saúde são obrigados a atender situações envolvendo urgência e emergência:
Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos:
I – de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente;
II – de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional;
III – de planejamento familiar.
[…]
Dessa forma, o Conselho de Saúde Suplementar editou a Resolução nº 13/1998 que disciplina “a cobertura do atendimento nos casos de urgência e emergência”, com a especificação de sua abrangência para cada segmentação de plano de saúde.
Ao regulamentar o plano de segmentação hospitalar, o art. 3º da Resolução CONSU nº 13/1998 estabelece que os contratos deverão oferecer cobertura aos atendimentos de urgência e emergência que evoluírem para internação, desde a admissão do paciente até a sua alta, ou que sejam necessários à preservação da vida, órgãos e funções.
O art. 4º da Resolução CONSU nº 13/1998 garante, ainda, os atendimentos de urgência e emergência quando se referirem ao processo gestacional e estabelece que, caso haja necessidade de assistência médica hospitalar decorrente da condição gestacional de pacientes com plano hospitalar sem cobertura obstétrica ou com cobertura obstétrica que ainda esteja cumprindo período de carência, deverá a operadora de plano de saúde, obrigatoriamente, cobrir o atendimento prestado nas mesmas condições previstas para o plano ambulatorial.
Importante mencionar, ainda, que o art. 7º da Resolução CONSU nº 13/1998 dispõe que as operadoras de planos de saúde devem garantir a cobertura de remoção, após os atendimentos de urgência e emergência, quando ficar caracterizado a falta de recursos oferecidos pela unidade de atendimento para continuidade de atenção ao paciente ou pela necessidade de internação para os usuários de plano de segmentação ambulatorial.
Diante disso, conclui-se que o plano de saúde não poderia se eximir de fazer a cobertura do parto, neste caso concreto, porque se tratava de um atendimento de urgência.
Com relação à indenização por dano moral, a orientação adotada pela jurisprudência do STJ é a de que “A recusa indevida de cobertura, pela operadora de plano de saúde, nos casos de urgência ou emergência, enseja reparação a título de dano moral, em razão do agravamento ou aflição psicológica ao beneficiário, ante a situação vulnerável em que se encontra” (AgInt no AgInt no REsp 1.804.520/SP, 4ª Turma, DJe de 02/04/2020). Nesse mesmo sentido: AgInt no AREsp 1.396.523/DF, 3ª Turma, DJe de 09/04/2019; AgInt no AREsp 1.570.419/RJ, 3ª Turma, DJe de 20/03/2020; AgInt no AREsp 1.923.012/SP, 4ª Turma, DJe de 26/11/2021.
Frise-se, por oportuno, que o Código de Defesa do Consumidor estabelece a responsabilidade solidária daqueles que participam da introdução do serviço no mercado por eventuais prejuízos causados ao consumidor (art. 7º, parágrafo único e art. 14). Especificamente quanto ao caso concreto, o entendimento do STJ é no sentido de que existe responsabilidade solidária entre a operadora de plano de saúde e o hospital conveniado pela reparação dos prejuízos sofridos pela beneficiária do plano decorrente da má prestação dos serviços, configurada, na espécie, pela negativa indevida de cobertura e não realização do atendimento médico-hospitalar de parto de urgência de que necessitava a beneficiária. Nesse sentido: REsp 1.695.781/SP, 3ª Turma, DJe de 20/11/2017.
Ana Priscila Alves Duarte
OAB/MG 158.717